Psicologia
hospitalar - paciente terminal e equipe
interdisciplinar©
Para falarmos em paciente
terminal e equipe interdisciplinar temos que ter em conta a importância da
prevenção dos graves efeitos psicológicos, sociais e físicos da hospitalização
e da patologia, incidentes tanto nos pacientes como em suas famílias.
Mas, iniciemos nossa exposição
definindo o que é paciente terminal e o que é equipe interdisciplinar.
O paciente terminal é aquele
paciente que está em fase terminal de uma doença, onde o esperado passa a ser
óbito, independentemente da terapêutica utilizada, sendo esta neste momento
mais paliativa e não tendo a expectativa de cura.
A equipe interdisciplinar é
aquela equipe envolvida nos esforços para se tratar com dignidade o paciente, considerando-o
nos seus aspectos biológicos, sociais, psicológicos e espirituais. "A
interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição de
disciplinas"(7). "O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro
quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser
de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação,
de iluminação de aspectos não distinguidos"(7). "Na equipe
interdisciplinar há um encontro e cooperação entre duas ou mais
disciplinas"(8).
Gostaria ainda de definir
transdisciplinaridade, tomando emprestada a definição de Fernando Hernandez
(3): "A transdisciplinaridade se caracteriza pela definição de um fenômeno
de pesquisa que requer: a) a formulação explícita de uma terminologia
compartilhada por várias disciplinas e b) uma metodologia compartilhada que
transcende as tradições de campos de estudo que tenham sido concebidos de
maneira fechada. A transdisciplinaridade representa uma concepção da pesquisa
baseada num marco de compreensão novo e compartilhado por várias disciplinas,
que vem acompanhado por uma interpretação recíproca das epistemologias
disciplinaras. A cooperação, nesse caso, dirige-se para a resolução de problemas e se cria a transdisciplinaridade pela
construção de um novo modelo de aproximação da realidade do fenômeno que é
objeto de estudo."
Voltemos ao nosso tema e
deixemos as definições a cargo somente do alinhavar dos atendimentos prestados
ao paciente terminal.
Quando atendemos ao paciente
terminal é de fundamental importância que toda a equipe esteja bastante
familiarizada com os estágios pelos quais ele passa, lembrando que podem se
intercalar e repetir durante todo o processo da doença, descritos por E. Kübler
Ross, em seu livro Sobre a Morte e o Morrer (4) e que permitem uma visão real
da complexidade vivida pelo paciente diante da sua terminalidade e do morrer.
São eles: a negação e o isolamento, a raiva (revolta), a barganha, a depressão
e a aceitação, complementando-se com a esperança, que persiste em todos estes
estágios e que é o que conduz o paciente a suportar sua dor. "Quando um
paciente não dá mais sinal de esperança. Geralmente é prenúncio de morte
iminente."
A negação é mais frequente no
início da doença. É quando o paciente nega a sua doença e a gravidade do
seu estado. Recusa-se a falar da doença e tende ao
isolamento. "A negação funciona como um para-choque depois de notícias
inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se recupere com o tempo,
mobilizando outras medidas menos radicais".
No estágio da raiva, da
revolta, o paciente se pergunta: "Por que eu?", "Por que
comigo?" "Durante este estágio faz exigências, reclama, critica o seu
atendimento e solicita atenção contínua. Se for respeitado e compreendido. Logo
cessarão suas exigências, pois será assistido sem necessidade de explosões
temperamentais. Ressaltamos a importância de tolerarmos a raiva, racional ou
não, do paciente. Temos que ouvi-lo a até, às vezes, suportar alguma raiva
irracional, sabendo que o alívio proveniente do fato de tê-la externado
contribuirá para melhor aceitar as horas finais".
Na barganha o paciente tenta
negociar geralmente com Deus. "Quase sempre almeja um prolongamento de
vida ou deseja alguns dias sem dor ou sem males físicos". Faz promessas.
Promessas que geralmente não cumpre.
A depressão aparece
"quando o paciente não pode mais negar sua doença, quando é forçado a submeter-se
a mais uma cirurgia ou hospitalização, quando começa a apresentar novos
sintomas e tornar-se mais debilitado e mais magro, não pode mais esconder a
doença. Seu alheamento ou estoicismo, sua revolta e raiva cederão lugar a um
sentimento de grande perda".
E a aceitação é quando não
mais sente depressão e nem raiva. É o momento em que encontra paz e aceita o
que está acontecendo. Os momentos de silêncio são maiores e seus interesses
diminuem. Neste momento é a família que mais precisa de ajuda.
De posse do conhecimento
destes estágios, indubitavelmente, torna-se muito mais tranquilo, para o
profissional que assiste ao paciente terminal, lidar com os sentimentos e
emoções que afloram, ajudando-o na compreensão e na transitoriedade dos mesmos,
bem como respeitar cada momento vivido pelo paciente, sem julgá-lo e sem lhe
impor sua perspectiva.
Um dos membros da equipe que
desconheça estes estágios poderá incorrer em erros que repercutirão em todo o
processo do paciente, interferindo nos trabalhos dos outros profissionais.
Por exemplo, se a enfermeira
não sabe que a raiva projetada nela, pelo paciente, é apenas a manifestação de
um sentimento esperado e compreendido, e reage a ela com aspereza, poderá
contribuir para que o paciente se sinta culpado pelo seu estado, levando-o a um
quadro depressivo, prejudicial para os seus esforços de melhora. Assim, mais
esforço será exigido, por exemplo, da fonoaudióloga, que deverá mostrar-lhe a
importância da sua contribuição no tratamento; a psicóloga terá mais um
elemento de terapia, que poderia ser evitado, deixando o espaço
psicoterapêutico para outras questões mais emergenciais.
No entanto, "compartilhar
experiências com profissionais de outras disciplinas exige esforço de admitir
os próprios limites, superar a cota pessoal de egocentrismo e reconhecer a
necessidade de superar os obstáculos insolúveis derivados da própria
prática."(8)
A terminalidade equivale a
estar próximo do óbito e como os profissionais de saúde vão lidar com isto?
Vale a pena continuar atendendo a este paciente, quando poderia estar se
dedicando a outro paciente com um prognóstico melhor? Como lidar com os
sentimentos do paciente? Como ver o paciente morrendo sem "nada"
poder fazer? Melhor não se envolver com o paciente e até abandoná-lo
emocionalmente para não sofrer?
Neste momento é importante que
se tenha consciência dos estágios pelos quais passa um paciente terminal,
citados anteriormente, para ajudá-lo a superá-los e para se ajudar e não tomar
para si o que pode ser bastante transferencial. Conhecer os problemas (biopsicossociais)
implicados no processo do adoecer e morrer, para ajudá-lo a se sentir melhor e
ter um resto de vida digna. Não desistir do tratamento do paciente. O paciente
pode desistir, mas os profissionais de saúde não. Quando o paciente se sente abandonado
à própria sorte, sem assistência, ele se entrega e desiste também, antecipando
sua própria morte. "Para o paciente é reconfortante sentir que não foi
esquecido quando nada mais pode ser feito por ele. É gratificante inclusive
para o visitante, pois isto vem mostrar que a morte não é uma coisa horrível,
medonha, que tantos querem evitar". (4)
Temos, então, inúmeras razões
para se trabalhar em equipe:
1. Os saberes são inacabados e
incompletos. (2)
2. A transcendência dos
limites de cada saber.
3. A "interdependência
das disciplinas, onde cada âmbito do saber implica os demais". (2)
4. O paciente é biológico,
social, psicológico e espiritual, de maneira única e indivisível, devendo ser
tratado em todas estas esferas. Porque a desorganização em uma delas provoca
alteração em todas as outras.
5. Necessidade das reuniões em
equipe, onde se põem em questão as relações pessoais, profissionais, as
condutas, as convicções etc., adaptando-se a uma melhor maneira de se tratar o
paciente.
6. Elaboração da angústia
gerada pela possibilidade da morte. Onde as pessoas têm o espaço para
elaborarem a morte enquanto condição pertinente à vida. Assim sentem que a
relação com o paciente terminal deixa de ser ameaçadora e se faz possível que
se acompanhe de fato e de perto a evolução total do mesmo, sem o sentimento de
onipotência tão frequentemente ameaçado.
7. Reconhecimento dos
problemas graves gerados pelos procedimentos técnicos. Por exemplo, a
necessidade de extirpar um tumor de boca que deforme o paciente, deixando-o
psicologicamente deprimido e fazendo que se afaste de tudo e de todos,
rendendo-se à enfermidade. A cirurgia pode ser um sucesso tecnicamente, mas um
desastre psicológico.
8. Eleição pelo paciente de um
dos membros da equipe como objeto de transferência. (5)
9. A morte vista como tabu na
nossa cultura. Porque a morte é ainda vista como algo terrível e
temível e precisamos de ajuda para superarmos os "passamentos" dos
nossos pacientes.
10. O significado e o
re-significar da morte. Porque podemos assim descobrir outros significados da
morte.
Citemos ainda Ana Garcia (6)
que diz que a morte pode ser considerada: "1) a iniciação de um novo ciclo de
vida para as doutrinas que
admitem a imortalidade da alma; 2) como finalização de um ciclo de vida; 3)
como possibilidade existencial".
Estar atento ao processo da
doença e do adoecer em toda sua complexidade exige muito mais do que um
aprendizado acadêmico, exige um dever ético e humano de todos aqueles que um
dia cuidam daqueles que carecem da nossa assistência.
Referências:
1. ALAMY, Susana. A morte no
contexto hospitalar. 1999.
2. BOCHATAY, Laura, BRONDINO,
Alberto, FLICHTENTREI, Daniel. El abordaje transdisciplinario de la enfermedad
cardiovascular. Tatuajes n. 4. wysiwyg://texto.89/http://www.psiconet.com/tatuajes/tatuajes4/cardio.htm.
3. HERNANDEZ, Fernando.
Transgressão e mudança na educação. Porto Alegre, ArtMed, 1998.
4. KÜBLER ROSS, Elizabeth.
Sobre a morte e o morrer. São Paulo, Martins Fontes, 1998.
5. LAMBERT, Anamaría da Costa.
Um analista na equipe de saúde. Fort-Da Revista de Psicoanális com Niños.
wysiwyg://der.39/http://www.psiconet.com/fort-da/fort-da4/analista.htm.
6. MAC DOUGALL, Ana García. El
câncer y la psicooncologia. http://www.psicooncologia.org/articulosp/articulos_p_detalle.cfm?Art_ID=17
7. Parecer n. CEB15/98 da Lei
de Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
8. ROMANO, Esther. Contexto
interdisciplinario ante uma denuncia de abuso
sexual. Intersección de los discursos psicoanalíticos, jurídico y valorativo.
Fort-Da Revista de Psicoanálisis com Niños.
wysiwyg://der.39/http://www.psiconet.com/fort-da/fort-da4/contexto.htm.
Créditos da imagem: Susana Alamy
Créditos da imagem: Susana Alamy
Susana Alamy
Psicóloga Clínica e Hospitalar
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Texto reproduzido de Alamy, Susana: Ensaios de Psicologia
Hospitalar: a ausculta da alma. BH, s.ed., 2003.
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