SOLIDÃO COM 5 MIL AMIGOS©
Por Susana Alamy*
Imagem: Pixabay
Ontem alguém se desentendeu em um
grupo de WhatsApp e nas divagações
alucinadas de quem briga sozinho, desabafou: “também não preciso deste grupo,
eu tenho outros 22 grupos que faço parte”.
Fiquei ali de expectadora
tentando entender como uma pessoa pode se relacionar satisfatoriamente em 22
grupos, com uma média de 200 participantes em cada, sendo, imagino, muitos
deles voltados para a área profissional. Seriam mais ou menos 4 mil e 400 pessoas
com as quais ela acredita interagir.
Sem contar os amigos do Facebook, que podem chegar facilmente a
5 mil só no perfil da pessoa, fora os grupos temáticos.
Simples e efêmero: mudo de grupo!
Não faz diferença quem são os amigos. Só trocar de grupo e outros amigos
estarão lá.
E aí vemos de tudo. Pessoas
despejando material, chegando um seguido do outro, 30 arquivos freneticamente
compartilhados de uma só vez, sem que ninguém tivesse demandado nada, lotando
os celulares dos outros membros do grupo. Qual a finalidade? Sentir-se útil?
Talvez. Precisaríamos perguntar. Mas fazer uma pergunta desta a quem demonstra
uma boa vontade sobre-humana ao compartilhar os 300 arquivos que tem, pode
gerar muita agressão.
Em outros grupos vejo pessoas
discutindo técnicas de atendimentos profissionais, verdadeiras consultas
gratuitas, trocando ideias e ações de como fazer. Do outro lado um estranho
amigo se colocando como expert a
aconselhar gentilmente o colega. Mas, ninguém sabe a formação de ninguém ali,
não se conhecem e acreditam um no outro. É mais fácil assim. Abrir livro...
nunca. Agradecem. Vão colocar em prática a “receita de bolo” ofertada
generosamente pelo desconhecido. Socorro!!
Em outro uma desordem que
qualquer libertinagem exigiria a paternidade. Ofensas, adjetivações, agressões
verbais, capazes de demonstrar na prática o que é uma projeção de si mesmo.
Mal-estar. Evasão do grupo. Silêncio. Melhor assistir de camarote a pessoa se
enaltecer, aos gritos, de ser alguém equilibrado e capaz, subjulgando os outros.
Aquela velha máxima em alta e passando despercebida: quando você aponta um dedo
para alguém, outros 4 dedos voltam-se para você. Mas, o que tem? Nada. Ninguém
se conhece mesmo. Ninguém sabe quem está do outro lado e nem quer saber.
Xingamentos de “imbecil e burro”
lotam os posts de política. Cabo de
força. Vence quem resiste mais, quem incomoda mais, quem gasta tempo escrevendo
textão que ninguém vai ler, mas que vão debater pela primeira frase escrita
nele. Não precisa ter conteúdo, basta dar sua opinião.
E ficam ali, conectados todo o
tempo. Os olhos não saem do celular, nem mesmo quando atravessam a rua, ou se
sentam para almoçar, ou quando estão em aula. E até mesmo no trabalho. Pit stop de 5 em 5 minutos para
responder a uma mensagem no grupo. E já está formado o chat. Bate-papo. Nada mais intolerável em um grupo de
desconhecidos. Por que não conversam no privado? Porque não tem graça, tem que
ter plateia e é nesta mesma plateia que o show será dado.
A razão é sempre soberana de quem
jamais se identifica, os discursos são vazios, não há fundamentação nem
filosófica, nem histórica, nem nenhuma além do chavão: “mas eu acho que é
assim, me respeita. Respeita a minha opinião”, sem nem ao menos se preocupar
com a língua portuguesa castigada.
E o que é respeito?
Sabe-se alguma coisa sobre ética
e moral que esteja além do dr. Google? Bobagem. O Google me informa de tudo e
eu não preciso nem gastar minha memória, só clicar e a resposta vem.
Meu mundo. Meu tudo nas redes
sociais. 5 mil amigos e você está em casa no final de semana reclamando de
tédio.
Caiu a internet.
Misericórrrrrrrrrrrrrdia!!! De uma lado o vazio de quem eloquente discursa para
o nada. De outro a fluidez descrita por Bauman como líquida, a escorrer pelos
dedos das mãos que já não sabem o que são mãos-dadas.
E os aplicativos de
relacionamentos? Horas com as pontas dos dedos passando fotos, recusando ou
dando like. Julgar pela aparência?
Pergunte a qualquer pessoa se ela julga as pessoas pela aparência. A resposta inevitável
é “não”. Mas... Ah! No aplicativo é diferente. Claro. Tudo o que justifique
qualquer ação incoerente é pautado no “mas lá é diferente”. Diferente nada.
A ansiedade aumenta. Ninguém
responde. Ninguém online. Mas se gaba
de ter 5 mil amigos no Facebook, 2
mil seguidores no Instagram e
pertencer a 22 grupos no WhatsApp.
Já não sabem mais o que é ser
amigo. Desconhecem o quanto é preciso rebolar para manter uma relação, qual
seja ela. Estabilidade só na internet, se ela não cair, porque nem o celular de
hoje é o mais moderno e nem os amigos de hoje são os de ontem. “Fazer novas
amizades” é outra máxima da atualidade. Esconde o não ter amigo nenhum? Por
isso essa ansiedade grande em “conhecer gente”? E cada dia um. E cada dia mais
um no face, no insta, no zap.
Solidão no meio de tanta gente.
Porque não há conexão além da internet. Não são nem parecidos e nem diferentes,
não dividem as angústias e nem as alegrias. Pausa! Fotos dividem. As mais
lindas. As mais felizes. Vida perfeita. Vida perfeita que fica no celular. Na
hora de se jogar na cama, o vazio de quem desperdiçou tempo.
E se fosse possível trocar 5 mil
amigos por um presencial? Ter alguém com quem você pudesse ser você mesmo, de
quem pudesse ganhar um abraço apertado e um olhar cúmplice? Ou mesmo um puxão
de orelhas? Alguém com quem pudesse efetivamente manter um diálogo? Marcar um
encontro, curtir um filme no cinema, dar uma volta na rua...
*
SUSANA ALAMY
- É psicóloga clínica e hospitalar, psicoterapeuta, professora de pós-graduação
e palestrante, docente livre. É autora dos livros “Ensaios de Psicologia
Hospitalar: a ausculta da alma”, “Como Viver Bem” e “Tigrinha é Adotada”. Com
mais de 30 anos de profissão já ajudou inúmeras pessoas através da
psicoterapia, através de seus cursos e de seus livros. E ainda pretende
continuar sua jornada por muitos anos. Blog:
http://alamysusana.blogspot.com/.
Site:
http://psicologiahospitalar.net.br/.
FB:
https://www.facebook.com/psicologasusanaalamy/.
E-mail:
alamysusana@gmail.com.
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