Luto não
reconhecido - Parte 1
Importância dos rituais de despedida
Puppy
Há um ano Puppy nos deixava para, enfim, descansar. Lutou
com todas suas forças, e que às vezes eram tão fraquinhas, para sobreviver e
nos deu a grata recompensa de nos encantar com sua presença por mais um ano,
depois de ficar muito ruim e se recuperar.
Eu estava embarcando a trabalho. Entregava o cartão de
embarque para a aeromoça e já estava prestes a descer a rampa que levaria ao
avião quando meu celular tocou. Recebi a notícia de que naquele dia Puppy nos
deixaria. Já completavam 10 dias de internação e sofrimento, em queda livre ela
piorava a cada instante, sem sequer esboçar alguma mínima possibilidade de um “milagre”.
E o médico veterinário insistindo na distanásia, sugerindo tratamentos heróicos
e experimentais um atrás do outro e que não deram certo em momento algum.
Uma dor... Eu não tinha como deixar de embarcar. Eu não tinha
como deixar de trabalhar. Continuei meu percurso até o assento que eu havia
reservado. Chorava muito. E chorei muito durante todo o voo. Pela minha cabeça
passava um filme de todos os anos que Puppy nos deu alegrias: ela correndo em
casa, pedindo-me seu biscoitinho de maisena (que era comprado especialmente para
ela) com toda delicadeza que lhe era peculiar, esperando o “papá" que eu
arrumava com ração úmida de gatinhos que ela adorava e cenoura ralada, aqueles
olhinhos pretos e vivos me olhando..., a “pulação” quando me via, a “latição”
quando eu chegava ou quando ela chegava para me visitar, a alegria quando
ganhava um brinquedo novo...
Princesinha da família. Uma lady. Sempre educada. De paladar apurado só comia se tivesse azeite
de oliva extra virgem misturado à sua comida. E tinha suas marcas favoritas:
Gallo e Andorinha. Nem azeites gregos ela apreciava tanto. Uma gracinha!
Exigente. (risos).
Enquanto estive fora, naquele final de semana, quase não
falei da minha dor, quase não expressei minha intensa tristeza, afinal, nem
todas as pessoas entendem o que pode representar um animal de estimação na vida
da gente. E tudo que eu não queria ouvir era “agora tem que comprar outro
cachorrinho e aí fica tudo bem”. Não. Não fica tudo bem. Ninguém pode ser
substituído desta maneira. Cada um é único dentro da gente e não importa
quantos animais tenhamos durante toda uma vida. São parte da família. Cada um
tem seu lugar e cada um deixa sua saudade.
Não tive a chance de me despedir dela. Não pude ir à
cremação. Não vi suas cinzas. Não abracei meus familiares e nem estive com eles
no momento de intensa dor. Não participei do ritual da despedida. Não tive com
quem dividir minha dor. Se é que dor se divide. Para mim era importante estar
com todos, estar ali me despedindo dela, fazendo a última homenagem que fosse
possível, como maneira de demonstrar-lhe o quanto era amada por todos nós.
Estar entre aqueles que também sentiam a mesma perda era
importante para mim, era uma maneira de validar aquele luto tão doído, tão
sofrido e que ainda não é reconhecido pela sociedade em geral.
A dor foi tão grande que só uma semana depois consegui homenageá-la
no meu Facebook:
“Há 7 dias você foi para o céu dos bichinhos deixando uma
saudade enorme, exatamente do tamanho da alegria que nos deu durante toda sua
vida. E me sinto feliz por sentir sua falta, por chorar
de saudade. Sinal de que você foi e sempre será importante para mim e para
todos nós que tanto te amamos. Com você aprendemos mais sobre o amor, a
felicidade, a saudade e, sobretudo, a alegria. Obrigada, Puppy, princesinha da
família, por toda sua vida conosco. Te amaremos para sempre e nossas
recordações serão só de alegrias, porque você sempre e para sempre só alegria.”
Um
ano depois o Facebook me mostrou meu post e respondi:
“Muita saudade!! Se tivesse jeito eu
te pediria para voltar.”
Neste
último post é nítido como eu não havia fechado meu luto. Participar dos rituais
de despedida é importante para elaborar o luto, apesar da saudade.
Susana Alamy
Psicóloga
Clínica e Hospitalar,
Psicoterapeuta,
Docente Livre,
alamysusana.blogspot.com.br
psicologiahospitalar.net.br
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